sábado, dezembro 16, 2006

Veríssimo.... é o cara...

O complô das elites

É bobagem falar em complô das elites. "Complô" dá uma idéia de coisa orquestrada, limitada no tempo e com fim específico. O que existe é uma combinação tácita que começou na primeira vez em que uma elite viu seu direito divino de governar questionado. Uma história antiga, que vem das primeiras hordas protohumanas, antecede as revoluções republicanas e se repete sempre que há um desafio à idéia de que alguns mandam porque Deus quer.
Em toda idéia de elite, de superioridade autoevidente e de privilégio merecido, há a presunção implícita de uma escolha divina. Todas as aristocracias reproduzem, às vezes como paródia, a certeza do mandato exclusivo de Deus que legitima as monarquias absolutas. E o "complô" histórico de elites ameaçadas consiste sempre em equiparar o desafio ao seu poder a uma herética ameaça à ordem do mundo como deve ser, como Deus quer.
O ocaso do mundo feudal coincidiu com um fanatismo religioso, persecutório, sem precedentes na história. A Inquisição, longe de ser uma afirmação do poder da Igreja, foi uma reação ao seu declínio. Antes da revolução, a nobreza francesa já reagia ao antiabsolutismo dos iluministas demonizando a "classe perigosa" que viria atrás dos seus pescoços, se a pregação libertária vencesse. Em todos os casos, a perda do privilégio exclusivo de mandar era visto como uma profanação.
É compreensível que no último país do mundo a abolir a escravatura o longo hábito de mandar por subentendida designação divina acabe lentamente, e a "classe perigosa" tenha dificuldade em ser aceita no salão. Mas tanto no Brasil como em outros países da América Latina a divisão entre elite mandante e maioria excluída é apenas uma decorrência histórica nunca devidamente desafiada, e em vez de complôs para perpetuá-la, nossas aristocracias só são culpadas de desatenção - de confundirem uma tradição de injustiças com o que deve ser, seus privilégios intocáveis com ordem e mudanças com heresia.
"Hábito contrariado" é um bom sinônimo para complô, e explica o ódio dirigido a qualquer perspectiva de outra coisa. O hábito brasileiro contrariado é de uma história feita até aqui toda de cima para baixo, com arranjos e rearranjos de oligarquias substituindo a participação popular. A continuada resistência à mudança, o apego a uma tradição cujo resultado evidente é a brutalização crescente da divisão social, sugere outro sinônimo, menos simpático, para complô da elites. Pacto suicida.